quarta-feira, 15 de novembro de 2017

capricho



ontem não vimos o sol, choveu sem violência, e ficámo-nos a olhar o rio, esse rio que já é oceano, surgiram mais umas rugas nas têmporas, enquanto as nuvens se afogavam na luz morna da tarde... a noite é agora carvão e o horizonte já abraça o crepúsculo, e eu recordo o dia de ontem, pois a amizade me arrancou um sorriso...amanhã uma luz macia trará um novo dia, e eu serei o que sou por quanto tempo DEUS quiser, me enviará um sopro doce do vento para me adoçar o peito que pende um pouco para a tristeza...a vida vai-se prolongando e botões de lírio (sonhos) vão despontando... à minha janela chegam os ramos dos salgueiros, onde os pássaros aventureiros me espreitam por entre a folhagem, curvada encosto-me à parede a olhar o rio, a matar a sede, a sede de amar, meus olhos seguem o esvoaçar das aves, lembrança que lentamente se apaga, olho as flores que sugerem amor, e é aí que o sonho começa, deixo-me acariciar pelo vento, sou como a flor pela chuva seduzida, absorta em pensamentos, desafiando a vida... afinal sou real como uma flor!

natalia nuno

eu e a solidão...



a solidão chegou à estação, procurou por lugar e sentou-se à minha beira, assustada com o apito do combóio em marcha refugiou-se no meu peito, aí se acomodou mais as malas que trazia consigo, ficámos as duas caladas, logo ela insistiu que me conhecia e até à hora da partida partilharia comigo o tempo... agora que já a conheço bem, andamos de mãos dadas, nesta estação cada vez mais esbatida que é a vida, deixamos tudo para trás e partimos sem destino, levamos a saudade de épocas felizes e seguimos viagem resignadas com este tempo triste. Dizemos uma à outra: é um privilégio ter chegado à estação sem grandes desilusões, sem ter perdido a voz e ainda com um pouco de audácia neste destino misterioso da vida... assim vou desenhando sonhos, sem deixar afrouxar o pensamento.

natalia nuno

a cor do outono...



hoje não ouvi o pintassilgo, talvez porque o ramo verde onde costuma pousar se encontra nu, não houve acordes de violino, e nem a minha mão indigente e cansada quis escrever palavras macias no poema onde eu pudesse o sol emoldurar... mesmo com a coragem a desabar... retrai a mim o silêncio e o coração descompassou, minha voz voltou à mudez, também eu perdi o ramo, irreparável descuido de meus olhos sombrios, entre a folha de papel e eu... poema feito ao acaso, muito breve e muito raso, com memórias cheirando a alecrim, pedindo que não esqueças de mim...quase... o tempo outra vez de ternura,  fecho os olhos e logo a nostalgia  a fazer doer! - - com a cor do outono e a maldição do tempo a passar, como eu precisava ouvir agora o pintassilgo tocando os acordes de violino para o coração ressuscitar... e tu, ousasses vir de novo me abraçar... enquanto meu olhar se perde no ramo que era verde...

natalia nuno
foto  de claudia giraldo