segunda-feira, 21 de março de 2016

pressentimento...




o rendilhado das ondas apagam com suavidade as marcas deixadas na areia, uma nuvem baixa perdida, o crepúsculo cai rápidamente, nem vivalma, apenas o vento a fustigar-lhe o rosto que o tempo impiedoso crivou de rugas à volta dos olhos e da boca, o pensamento baço, buscando sem saber porquê o que tem perante si e não crê...deixa-se passo a passo à mercê das lembranças, tantas canseiras encheram os anos de instantes que enraizaram na mente, deles cativa... sempre que a memória lhos aviva; cai nas malhas da saudade, sabendo que não há regresso, diante dela abre-se um caminho gélido e misterioso e essa ideia deixa-a confrangida, sente por intuição que é breve a vida, cada passo confirma o seu pressentimento, e é assustador o desalento...as emoções num apertado nó, a luz difusa do poente recorta-lhe o rosto e sente-se só, perdeu quase tudo de outrora, aos seus olhos surgia nesta hora nada mais que uma aparência...como que uma terra varrida pelos ventos... uma gaivota a vem saudar,  amanhã a aurora vai voltar...desta vez será mais forte que uma haste de milho e não se deixará vergar pelo pensamento.



Florência de Jesus

domingo, 20 de março de 2016

conserta as palavras...





a chuva intensa alaga a vidraça e tamborila insistentemente no telhado, vai alinhavando pormenores que não cessam na mente...fixa o olhar na fotografia em frente, e surpreendida, entristecida às vezes se revolta, privada de esperança então, o deslumbramento pela vida mistura-se com o medo de a perder...muitas e estranhas são as vicissitudes, escreve palavras afastada de si no tempo, separada pela vida inteira, vai querendo abarcar apenas o dia a dia com inegável doçura, traz consigo uma chama interior terna e abrasante quente e às vezes lancinante, mas nada a aflige nestes momentos de lassidão...depois, bem... depois conserta as palavras e seca nelas as lágrimas, diz de si para si: o coração ainda a bater, mora nele a vida...então vive Mulher.

Florência de Jesus

quinta-feira, 17 de março de 2016

palavras por dizer




abro as portas deste céu de onde colho palavras, lá onde me busco sem sair de mim, e lembro pequenas coisas que mordem as papoilas da minha saudade... assediam-me os sonhos, onde sou fragrância e tu o vento que me leva, basta-me o teu olhar para inventar felicidade...aquela que já é saudade infinda, vinda do tempo que não sei fechar... apagam-se os dias em si mesmos, um ar frio esvoaça sobre as palavras ainda por dizer, a noite estende-se interminável, fica a vida um nó desatado, um pressentimento do nada me assola, temendo não poder ser mais despertada...enquanto o sonho se alarga num doce dormir, deixo para trás as lágrimas que me choram e nunca me abandonam...deito os poemas nas margens do rio, nem tudo é doçura ou tranquilidade tanta coisa afecta a felicidade....

Florência de Jesus

quarta-feira, 16 de março de 2016

desencanto...



a sombra parte abandona a parede cinzenta, amanhã estará de volta, os ninhos ficam tristes, só a memória dela acalenta, que as asas dos sonhos hão-de voltar para novas palavras talhar...mas que beco sem saída é esta vida...volta lá atrás, emigra na aventura do sonho, olha as abelhas que dormem a sono solto, as lágrimas que o rio solta pelas hortas, as flores já mortas, os amores perfeitos que a mãe gostava tanto... é o desencanto, não suporta tanta violência , desarmada pelo tempo, sente o peso da herança, esmigalha tudo o que lhe tirou a esperança, encosta-se ao que lhe resta ainda, e fica a magicar...deixa as palavras partir, ignora a descida sem luz e na inocência...quem lhe dera ficar...regressar às papoilas, cheirar as mimosas, esperar o próximo orvalho sobre as rosas, como se tudo estivesse certo nestas palavras vazias, exaustas, pobres andorinhas tardias...

Florência de Jesus


terça-feira, 15 de março de 2016

estranhezas do dia...





ouve as marés nas areias mordidas pelo sol, e ali encalhadas ficam-lhe as ideias, procura então renovar-se dando asas ao seu vôo, sonha , palpita de saudade, agarra-se à vida com tenacidade, estende o olhar ao dia que ainda lhe pertence...há dias em que a existência lhe parece obscura, tem o desejo e a necessidade fremente de claridade, do sol primaveril, e num despertar absorver o ar puro e fresco que lhe chega do mar...e nessa luz matutina recordar a menina, ouvir o galo cantar notas duma bela sinfonia, olhar o infinito com o ouro a queimar, tudo a penetrar-lhe a consciência, deixar-se a flutuar num céu lavado e límpido por entre os salgueiros, e os cheiros das rosas selvagens... o vento traz-lhe mil recados, mil imagens que voam com leveza dentro dela,..e a maré recua, no céu em êxtase a lua.

Florência de Jesus

domingo, 13 de março de 2016

hoje sou assim!



no norte das minhas palavras abandonei a inocência, lá onde tudo era sonho onde lavrava a alegria, onde havia lufadas de sol, onde era seara e girassol, onde via regressar as papoilas vermelhas e os pássaros construíam ninhos nos beirais dos telhados...as estrelas vazaram, e trago agora os olhos molhados...fico a secar os olhos, e embaciada de emoção, sigo por entre a maresia à minha procura, porque me dói não saber quem sou nem onde estou, não me reconheço, e sempre que a mim regresso há um desajuste entre o sonho e a realidade, parto com velocidade... que mal me fiz eu... quem secou a flor em mim? de trigo eu era... hoje sou girassol que secou, assim... morreu-me o tempo, sou pássaro no escuro à procura dum pouco de primavera...sigo caminho com o afago do vento não me deixo entristecer, não quero mais palavras, que já nada têm para me dizer...

Florência de Jesus

segunda-feira, 7 de março de 2016

enorme nostalgia...



a melancolia é-lhe companhia assídua... momentos de total ausência e uma sensação de isolamento lhe percorre o sentir, rugas de cansaço, traços sombrios à volta dos olhos, no seu delírio às vezes ri até às lágrimas, e enorme nostalgia perpassa nas suas palavras que as mãos ágeis como borboletas passam ao papel, as recordações lhe arrepiam a pele e à memória em cada dia são colheita de momentos felizes, de tristezas e ansiedades, de saudades... da vida que foi um palco onde tudo se desenrolou, paixão, amor, entendimentos, desejos desmedidos, sonhos, todos os sentimentos! ...enxuga as lágrimas que lhe marejam os olhos, acolhe o silêncio que lhe penetra a alma e vive o gozo dum descanso apaziguador, já que a consequência da vida não se faz esperar e à morte ninguém consegue escapar...perante a presença do incerto, deixa o peito aberto ao que há-de vir.

Florência de Jesus

quarta-feira, 2 de março de 2016

a contravento...



o mar devolve-lhe os sonhos de criança, remenda-lhe os dias sulcados de nostalgia, a neblina inunda-lhe o olhar e o pensamento repousa no silêncio, há nele mares de esquecimento mas movem-se nele silhuetas de pessoas amadas que já partiram... inundadas de mágoas as mãos que escrevem e deslizam como um pássaro, por sobre o papel, e com um arrepio na pele sente o peso da saudade a pernoitar no seu coração... fica a inventar, a ouvir a chuva a cair e o mar revolto é cúmplice da sua tristeza, do seu resistir, do seu ficar sem chão...velejam os afectos no peito, os mesmos que lhe esmagam o rosto e lhe deixam  a contravento o pensamento...neste balançar como onda do mar, ficam-lhe  os dias a morrer de tédio e sente-se folha caída sem remédio...

Florência de Jesus

terça-feira, 1 de março de 2016

nas ribanceiras do peito...



doem-lhe os pulsos de tanto rasgar o medo que a envelhece, oxidam seus olhos que correram mundo, e nas ribanceiras do  peito há dores sem jeito...na mente memórias em labirinto, a morrer de cansada a vida a leva, e a travar-lhe a estrada o tempo que a ameaça... numa tristeza sem idade sente a saudade da perdida graça... leva o rosto carregado de nuvens mas não se deixa desfalecer, chegou à fronteira,  tanto faz um passo à frente ou outro atrás, tudo parou de correr, traz o olhar envolto em poeira e jamais se vê como era, mas ela espera...fala-lhe o coração, da voz das manhãs, dos lírios a abrir, dos  moinhos de vento, das heras a trepar, ainda não é o definitivo anoitecer, há labaredas que a fazem aquecer, e um jardim de ideias onde se procura por dentro da madrugada, até voltar a ficar cansada...

natalia nuno
homenagem a

Florência de Jesus