terça-feira, 24 de maio de 2016

no silêncio das pedras....



no tempo em que o tempo passava mais devagar...tempo que deixava viver, esperar, sonhar...ardiloso, manhoso, a quem dávamos pouca importância, era apenas um intruso que servia para tudo ou para nada, lá, no tempo onde existíamos sem datas, porque nelas não pensávamos... nem necessitávamos de respostas, onde era inesgotável a alegria, quando o corpo era novo e nenhuma sombra crescia, tudo era linguagem do amor, o coração pulsava... hoje, apenas se recorda!...e mais uma ruga se inscreve no rosto desenhando o cansaço e o desalento que fatalmente vem interromper o vôo, trazendo temores e ansiedades, saudades, deixando a luz do olhar sem memória pouco a pouco...tudo não passou duma quimera, dum passar de anos que marcaram a pele,  e encheram de abulia os dias, e assim a vida passa a ser como um dia condenado a ser noite...já não se colhem mais certezas nem sonhos, apenas nos olhamos velhos e recordamos a criança da nossa idade sem tempo...

Florência de Jesus

quarta-feira, 18 de maio de 2016

como rio feito gente...



deito-me ao lado das flores, oiço os suspiros do sol que amadurecem os lírios e despertam a terra, encerra-se mais uma noite de sombras aonde a saudade e eu recordamos amores e tecemos estrelas, vieram giestas a correr pegar-nos na mão, quebrar a nossa solidão, ouvimos o riso das amoras no silvado, e o coração ficou quebrado, sem tecto nem chão, sem andorinhas no telhado...só o xaile da mãe pra me enrolar, na memória d'outro madrugar e afagos de ternura, onde reverdece a doçura... há flores em silêncio na moldura do sol do meio dia, os junquilhos vão abrindo com alegria e na teia das horas há chilreios abertos sobre o jardim e saudade futura onde a ausência será só de mim...morrerei inteiramente como rio feito gente que não volta mais à nascente...

Florência de Jesus

a minha barca...





vesti um vestido de espuma, viajei num mar de sonho e vento, emigrei para lá da bruma, mareou meu pensamento...assim minha alma navega indo ao sabor das marés, enquanto a realidade se nega a dar-me asas aos pés...serenei tempestades de mim, expulsei raios e trovões, ainda assim restam-me as ilusões, e alguma angústia, a minha barca traz o cansaço duma vida inteira, num mar nem sempre calmo, numa viagem que desafia a eternidade...visto-me agora de nevoeiro, de janeiro a janeiro, para embalar minha dor e minha saudade, a barca chega enfim ao cais, com uma gaivota na proa, a cantar poesia...e arrombar-me o coração...

Florência de Jesus