sábado, 27 de fevereiro de 2016

trovejam lembranças...



hoje com um sorriso amarelo encarei o dia... este tempo entristecido onde rasteja o sol, e o vento endoidecido por falta de tempestade, rompe as estrelas da minha saudade...apaga-se a candeia na lareira, mas, o meu olhar se ilumina e aqui estou pequenina, com pavor da trovoada, suspiro de inquietação, no peito bate o coração, na fogueira crepita a lenha cortada a cafeteira do café e sonhos pela calada... no alguidar vai levedando o pão... e mais um trovão, sinto-me perdida aqui pertinho do forno, o tempo e eu caminhamos sem retorno...em torno do pão, eu e a avó com fé de rosário na mão...preces feitas, pão crescido, e o tempo continua entristecido, escapo-me por entre o vento e o olhar da avó, e como fada perdida regresso à vida, caminhando só...seguem-me as cigarras e os cheiros da aurora e as setas do fim nas sombras de mim...

Florência de Jesus

visto-me de auroras...



Cá estou de novo, vou acender a lareira, fazer a reconciliação com o tempo e deixar-me engravidar de saudade, lembrar daquela lareira pequenina onde me sentava a comer as minhas migas de café... depois dum dia frio mas ensolarado onde me deixava baloiçar ao sol... horas a fio... faço uma pausa, recomponho-me aqui não há cheio e nem vazio, calor ou frio, há sómente uma torrente de recordações, que se vão desmoronando com o caminhar já longo...sardinheiras em flor, águas que me falam de amor, papoilas de abraços, que ainda me seguem os passos, e tudo tem uma razão e tudo faz ninho no meu coração...visto-me de auroras, agasalho-me nos poentes, e assim as horas passam-me indiferentes, vêm as rolas, as cotovias, e os melros pousam nas malvasias, oiço as enxadas de sol a sol, e morro no tempo a saber-me viva, afrouxam os dias, correm os dias e eu semeio versos...crepita a saudade da terra e do pão e em mim cresce a solidão....

Florência de Jesus

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

pássaros pretos...



há um silêncio sempre pronto a atacar-lhe a solidão, sempre a acompanhar-lhe os passos a cortar-lhe o coração, voejam com ela pássaros pretos que atravessam o vento e deixam-lhe o pensamento cosendo e descosendo lembranças, trazendo-lhe mil recados de tempos amados, dos seus brincos de princesa, do baloiço da oliveira, do rio ali à beira, e a certeza dos besouros arrecadados, dos pés descalços, das amoras dos silvados e das horas atrás dos vidros embaciados...há um silêncio que a faz morrer de cansaço, sabe que o sonho é sempre de ida e volta à realidade e, ao abrigo dos sustos carrega nela a saudade...as asas andam p'lo chão mas, hoje traz um silêncio fresco no coração.

Florência de Jesus

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

sonhos...




virgens são as montanhas onde neva e tudo é puro, adversa é a vida onde se desenrola o medo, o frio, o escuro...abri as portas sorri até esquecer-me, respirei o ar vindo das mimoseiras e as saudades desceram por mim ligeiras, numa renda ou teia na memória, o espanto da lua cheia, até o dobrar do sino ali era presente, tudo parecia perfeito a sombra na parede marcando as horas, os guizos do rebanho na estrada e as rãs fazendo côro a emaranhar-se no silêncio da noite que já vinha sem demoras...trouxe comigo a lua ao colo, os pássaros entreabriram caminho não querendo que me perdesse no já perdido, parei no bordo da tristeza sem voz e percorri a noite a sós...

Florência de Jesus

sem saber de mim...



sem saber de mim procurei recordar... e dei com uma tormenta, quebrei a solidão fiquei atenta, o sol brilhava e dizia-me que era ainda primavera, fiquei à espera, a amendoeira floria, mas o que eu mais queria, era encontrar-me, para defender-me do inverno, esquecer o inferno que é o frio na alma, a noite que desce sobre mim, e aquecer meus dias sombrios, por fim, romper a névoa que é forte no meu olhar, esquecer a morte e o tempo que me atraiçoou que fugaz me levou, e me faz procurar...onde estou? cruzo o olhar com a vida mas até ela duvida...finda o dia com ele me afundo, sou afinal esta hora do entardecer...a morrer.

Florência de Jesus

domingo, 21 de fevereiro de 2016

era de festa e de amoras...




ri, inventa e chora e o seu olhar a observa por fora, o outono trouxe-lhe castelos de sonhos e desejos à flor da pele por abrir e mais um dia que há-de vir, um tempo que faz medo, sonhos parados segredo,  insónia debruçada na almofada e quase acredita que ainda é amada...é quase flor de inverno, nem feliz, nem infeliz o sol foi-se não a esperou, a sua voz é nevoeiro, carrega com ela o cheiro da madressilva, da giesta...era de festa e de amoras, há muito tempo há tantas horas, os seus saltos de esperança, a criança que passa a vida a enfeitar, a fazer a trança, a colocar-lhe o laço e num abraço, um adeus que faz doer e uma lágrima a correr...tanta estrada...e ela ainda se julga amada... traz com ela a transparência das águas, a claridade matinal, deixa transbordar as mágoas na saudade...voa nas crinas do vento, o orvalho lhe cai no rosto, é agora sol-posto, veio a solidão com prontidão fazer-lhe companhia, outono, sente-se ave partir, chorando já a própria ausência, mas não vai só, a vida não da ponto sem nó, leva a saudade entalada... de quem se julga ainda amada...

natalia nuno

era de festa e de amoras...




ri, inventa e chora e o seu olhar a observa por fora, o outono trouxe-lhe castelos por abrir e mais um dia que há-de vir, e um tempo que faz medo, sonhos parados segredo,  insónia debruçada na almofada e quase acredita que ainda é amada...é quase flor de inverno, nem feliz, nem infeliz, a sua voz é nevoeiro mas carrega com ela o cheiro da madressilva, da giesta...era de festa e de amoras, há muito tempo há tantas horas, os seus saltos de esperança, a criança que passa a vida a enfeitar, a fazer a trança, a colocar-lhe o laço, e num abraço um adeus que faz doer e uma lágrima a correr...tanta estrada...e ela ainda se julga amada!

natalia nuno
homenagem a

Florência de Jesus

poemas frios...



arrefecem os poemas no vazio...pousam na triste escuridão, e ela os guarda no peito como se fossem pedaços de mel que lhe estremecem o coração... vai soltando um poema de quando em quando como pétala de flor levada nas asas do vento, nada pesam nas suas mãos, é dolorosa a sensação de os ver partir, seu rosto entardece, no olhar uma luz remendada, os sonhos perdidos e as ideias a arderem-lhe como querendo que os ponteiros do relógio andem para trás...há momentos em que não gosta de nada, seus desejos prostrados, caídos por terra... e nada muda para melhor, talvez nem mais ouça o rumor dum verso a nascer, talvez até de os amar vá se esquecer, vá gemer de frio curando as feridas até chorar como uma criança doce e inocente, onde a palavra vive ainda indiferente...

Florência de Jesus

sábado, 20 de fevereiro de 2016

caminho...



tudo por que o relógio não pára e a vida só tem um caminho... caminhemos então confiados no sonho...depois virá a morte para que não tenhamos mais memória, implacável e certeira, silenciando-nos toda a luz, impedindo-nos de tudo o que brilha conseguindo apagar o nosso mundo para nos deixar numa imensa neblina e sermos apenas a sombra pequenina ou recordação em agonia...

Florência de Jesus

despedida...



uma despedida é sempre dolorosa, a espera permanece em ferida aberta e é sempre uma inquietude que se fixa no coração de quem parte e de quem fica....a cada dia se percebe a ausência das palavras. dos afectos, e a vida fica mais negra a cada instante, uma inquietude que não se entende e uma saudade atada a si mesma...confusa lágrima, saudosa dum breve e feliz tempo...

Florência de Jesus

emoções...




emoções dentro de mim dão conta da minha conduta, um dia me sinto demasiado nova, outro demasiado velha, e lá se vai meu equilíbrio minha harmonia, aqui delinearei parte de mim passado sem pretensão e escreverei estados de espírito no presente...

Florência de Jesus

a fuga...e o sonho....




à noite a ausência de sono leva a mente a um rumor longínquo, um rumor de água que canta, canta no rio, no telhado batendo forte, cerca a memória com linguagem dum tempo de resignação...inventam-se sonhos, dispõe-se a vida no silêncio, ouve-se o uivar do vento com insistência e é difícil calar a memória... a noite traz as sombras, já tudo dorme, menos os olhos do poeta que vai criando seu vôo da imaginação nas palavras, ouvindo o coração, as veias que se negam a adormecer, que despertam e incendeiam um mundo de sonhos perfumados e estrelas resplandecentes, como colibri vai dando asas ao seu livre pensamento e vai envelhecendo com os sais do tempo sem se aperceber que das sombras não poderá mais fugir...

Florência de Jesus

começaremos amanhã de novo...


começaremos novamente amanhã, recordaremos que sentimos frio, chegar-nos-ão vozes que recordaremos, mas optimistas amaremos a vida sem que o teu olhar macule a alegria do meu...chegarão horas de solidão, de recordações, e com voz ainda clara e a mente em harmonia, palavras cálidas diremos um ao outro...não sei se o novo amanhã emsombrará os nossos olhos...não, isso eu não sei...ou se a solidão será definitiva, talvez nosso amanhã nasça já sem horizonte!? mas não fico atada ao medo, beberemos mais esse dia como se fosse o sumo dum fruto , deixaremos que o sol gire nas nossas mãos, havemos de encontrar um motivo que ilumine com veemência o que já não volta...

natalia nuno em 
homenagem a

Florência de Jesus

menina...mulher...



às vezes as sílabas saem-me negras, cheirando a frio, caídas pelo chão, indigentes, humedecendo a minha saudade, às vezes as palavras saem-me humilhadas, desprendem-se na noite sem luar, envenenadas, roídas de desejo de amar, mas maldição...são apenas do pranto uma porção... é tempo de cinzas derramadas no meu sonho baldio, que me foge como um lugar proíbido, imponho-me mesmo derrotada, abrigo-me numa gargalhada...só tinha um tempo que me convidava a ficar, mas pôs-me ressentimento no cabelo cinzento, não me restou tempo para escolher nem inteligência ou vontade para recusar, resta-me a saudade do meu corpo precoce de mulher, sonho dentro do sonho que escrevo para não esquecer...

Florência de Jesus

uma reza...



chove-lhe na alma, talhada no orgulho não se rende à tristeza, há delírio no labirinto da mente, dúvida e agonia a habitam, desalento... ai esta vida mal contada, a afastar-se sem rumo nem saida, vida escassa entorpecida que a arrebate com furor, desapiedada como quem lhe guarda rancor...cala-se num silêncio só seu, murcha por tudo o que já perdeu, o desencanto é grave...amarga chuva cerrando-lhe os sentidos e, uma lágrima persistente a olha fixamente... indefesa põe nos lábios uma reza....

Florência de Jesus

às portas da noite...



a mão tão apaixonada tão doce sempre presente apertou-lhe a sua com força, arrebatou-lhe o coração, em desvario ouviu a medo palavras em segredo, palavras que não conhecia mas que ainda hoje giram na lembrança, seduzindo-a com essa ternura levou-a ao altar...tudo lhe parecia novo, até o brilho dos astros, cresceu rápidamente mas no horizonte dos seus sonhos continuava a menina deixada num farol de luz para rever sempre que fosse sua vontade...por mais palavras que a mão lhe escreva, brotará sempre  a nostalgia, sentir-se-á sempre envolta por uma bruma, e nos trinados dos melros às portas da noite, um esquivo poema lhe dirá que não tema mais um dia..

natalia nuno
homenagem a

Florência de Jesus

palavras soletradas...




hoje há surpresas, trazem-me muitas recordações, uma mão cheia de ternura, uma chuva de luz, uma jubilosa verdade a de que o tempo passou mas não apagou nada da memória...apagou-se a minha vela mas a minha janela virei ao mar, e assim trago azul no olhar... nos meus olhos faz abrigo o poente e no regaço deixo as rosas transbordar...no rosto trago rugas novas e um poema, provas que fui semeando, dilema dum vôo no escuro...palavras soletradas no vazio das horas que ainda procuro... e tu, porque te demoras?

flor silvestre...



quem disse que as florzinhas do campo não têm beleza?!o pequeno sorriso da erva, o puro que há na inocência das folhinhas pequeninas, a sua oculta ternura, seu matinal nascimento logo que nasce o sol... são braçados de frescura, gaivotas de água, sol e melodia, que chegam à minha lembrança....gotículas de orvalho, sorrisos adormecidos, perdendo-se em meu ser, neste anos tão velozes e lentos que vivi, em experiências repetidas e que jamais esqueci... a intensa primavera, o corpo esverdeado da terra, transbordando de aromas e cores, borboletas azuis, brisa de música e nostalgia...na fiel memória, o medo de ficar vazia...

natalia nuno
em homenagem a Florência de Jesus

queda livre...




em queda livre como pedra vão as horas caindo uma a uma, distanciando-se vai a vida, e a lua escondendo-se do meu olhar, os sonhos que eram gaiatos falam-me agora com mágoa, segredam-me mil pedaços de vida como quem reza, e a noite veste-se de prata luzente... logo surge a saudade grande como o mar...então, minhas ideias navegam nessas águas imensas a memória é seara loura madura e mexe-se mais que o vento, minha boca fica ansiosa, o coração bate forte como um tumultuoso rio que corre para o abismo sem parar, gritam as palavras dentro de mim numa torrente de sóis, nelas me deixo prender porque elas me devolvem vida e dão prazer...

Florência de Jesus

conversas comigo...



meus braços ficam  nervosos esperam pelos teus sem ter calma, meu rosto ainda te namora e os olhos acabam chorando com  esta ansiedade sem cura...choram tal como o vento, que chora pelas frestas dos telhados como a querer fazer ninho dentro do meu coração trazendo-me mistérios por desvendar... estou só... falo comigo conversas antigas, a luz já se vai quebrando  e sonho vai ficando mais frio, o romantismo com menos pulsar, e a vida com a morte a rondar...sou e não sou um passado velho, sou e não sou lágrima chorada ao espelho... arde em mim a doçura do silêncio, e um resto de alegria do que fui um dia.

natalia nuno
homenagem a

Florência de Jesus

resta-lhe o nome...



perdeu tudo, sobra-lhe o nome, perdeu a desenvoltura, a passada, perdeu a vontade ficou sem nada, resta-lhe o nome... o tempo parou, o jogo acabou, como era antes, em tempos distantes?! havia em si todo um caminho toda uma vida e tem agora um beco sem saída...resta-lhe o nome, a vida é viver apenas, reconhece-se em lembranças serenas,  passa a vida inviesada ora no passado ora no presente, ou é pedra pesada ou a traz contente...resta-lhe o nome, algumas ideias na cabeça, já nada acaba, mas tudo começa, a solidão é sua condição, mas que importa se o sonho ainda lhe bate à porta? resta-lhe o nome e a terra fria que a espera, há dias e dias em que desespera, recorda o passado como um livro lido, que lhe deixa no olhar um brilho incontido...

natalia nuno
homenagem 
a

Florência de Jesus